Uma reza conjunta, como deve ser. É assim que a cantora Fabiana Cozza define o álbum Dos Santos, que ela escolheu para apresentar na 14ª edição do Festival Artes Vertentes, em Tiradentes, MInas Gerais. “Não dá para rezar sozinho e não dá para a gente fazer nada sozinho, né?”, diz.
O álbum, que começou a ser gravado em 2019, foi lançado em 2020, em meio à pandemia. O disco contou com a participação de diversos artistas. Para cada um, Fabiana, que é candomblecista, pediu uma composição para um orixá. O disco já nasceu de forma coletiva e também, segundo a artista, acompanhou muitas pessoas durante momentos muito duros, em uma das maiores crises sanitária e humanitária enfrentadas pelo mundo.
“Em um tempo, em um mundo em que a aposta, sobretudo de uma política matadora, de uma política que mata o sujeito, que mata o sonho e que tem a individualidade como norma, esse disco vem na contramão, ele é o oposto disso. É um disco de gente, feito por muita gente”, conta.
A obra foi escolhida para ser apresentada em Tiradentes também como uma homenagem.
“Tiradentes é essa cidade que tem mistérios, tem dor, tem uma história de muita violência por conta da escravidão, mas é também de reinvenção por meio de pessoas que ainda estão aqui, especialmente as pessoas negras”, diz Fabiana.
A cidade de Tiradentes foi fundada por volta de 1702, quando os paulistas descobriram ouro nas encostas da Serra de São José, dando origem a um arraial batizado com o nome de Santo Antônio do Rio das Mortes. O arraial, posteriormente, passou a ser conhecido como Arraial Velho e, em 1718 foi elevado à vila, com o nome de São José, passando em 1860 à categoria de cidade. Durante todo o século 18, a Vila de São José viveu da exploração de ouro e foi um dos importantes centros produtores de Minas Gerais. Estima-se que 22 mil pessoas escravizadas foram obrigadas a trabalhar na região.
Apenas com a proclamação da República em 1889, a cidade recebe o nome atual, que homenageia Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, um dos líderes da Inconfidência Mineira.
“Esse festival teve a presença de congadeiros, de moçambiqueiros, de mestres e mestras da cultura que residem na cidade. Então, é um trabalho dessas pessoas também, para essas pessoas, inspirado nessas pessoas”, diz.
Fabiana Cozza é reconhecida como uma das grandes vozes de sua geração. Recebeu prêmios como Melhor Cantora de Samba, no Prêmio da Música Brasileira, e Melhor Álbum em Língua Estrangeira.
Após a apresentação nesse domingo (14), Fabiana falou à Agência Brasil sobre a preocupação com o avanço da ultradireita, de preconceitos e intolerâncias no Brasil e em todo o mundo, e reforçou: “As pessoas precisam estar juntas e precisam dar um passo atrás também na maneira como, muitas vezes, querem impor os seus pensamentos ou a sua visão, senão não vão compor junto”.
Festival Artes Vertentes
A 14ª edição do Festival Artes Vertentes tem como tema Entre as margens do Atlântico, propondo um diálogo entre três continentes intimamente ligados pela história: América, África e Europa. A programação de 2025 também faz parte da Temporada França-Brasil, que ocorre até o final do ano em 15 cidades brasileiras e tem como objetivo aproximar, por meio da cultura, os dois países.
A programação do festival segue até dia 21, majoritariamente na cidade de Tiradentes, mas também com atividades previstas nas cidades de São João del Rey e Bichinho, onde haverá mostras de cinema que discutem memória, ancestralidade e resistência. A maior parte da programação é gratuita. Mais detalhes no site do festival.
*A repórter viajou a convite do Festival Artes e Vertentes