Na pré-estreia do documentário A Queda do Céu, de Eryk Rocha e Gabriela Carneiro da Cunha, em Belém, Davi Kopenawa, autor do livro homônimo que inspirou o filme, falou sobre o Terra Indígena, a cosmologia, e a luta do povo Yanomami contra invasores e a pressão que sofre desde a chegada dos não indígenas ao território.
“Enquanto estivermos aqui o céu não cairá”, alerta o xamã e líder político yanomami.
Na frase, Kopenawa fala do céu da cosmologia yanomami – dimensão sustentada pelos xamãs capaz de manter o equilíbrio do planeta –, mas também fala da importância dos povos originários no enfrentamento às mudanças do clima, causadas pela ação de outros homens não indígenas: os napëpë ou estrangeiros na língua yanomami.
A primeira exibição pública nacional do filme ocorreu na noite de quinta-feira (14), na 10º Mostra de Cinema da Amazônia, em uma programação paralela à 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30).
Em uma sessão lotada, o documentário trouxe belas imagens e mostrou a cultura yanomami através do ritual de luto Reahu, após o falecimento do grande xamã, sogro de Kopenawa, e, até então, guardião dos conhecimentos sobre a cosmologia e o xamanismo yanomami.
Kopenawa lembra que o trabalho dos Yanomami para manter a floresta em pé e contribuir com o equilíbrio do planeta vem desde a década de 1970, quando, com a abertura da Perimetral Norte (BR-210), o território passou a sofrer invasões e ameaças.
Com a morte do grande xamã, Davi Kopenawa passou a ser o guardião desse conhecimento e é quem também passa a liderar as lutas pela proteção dos quase 28 mil yanomamis que vivem no território – que se estende pelos estados de Roraima, Amazonas até a fronteira com a Venezuela.
“Vocês devem estar se perguntado como que o Kopenawa consegue fazer todo esse trabalho? É uma trabalho diferente e a cultura da floresta é diferente, nossa língua é diferente, dança é diferente, canta, fazer uma festa, alegria. É sempre agradecendo e respeitando a Terra, onde nós nascemos e moramos e permanecemos.”
De acordo com o xamã, assim como o livro, escrito por Kopenawa e organizado pelo antropólogo francês Bruce Albert, o documentário A Queda do Céu é capaz de levar a mais pessoas a sabedoria indígena sobre a compreensão do funcionamento do mundo e talvez unir indígenas e napëpë em um esforço para que o homem continuem habitando o planeta.
“Você é diferente, fala diferente, mas nós somos o mesmo ser humano”, reforça.
Mulheres
Grande parte da equipe do documentário foi formada por profissionais yanomami, que contribuíram não apenas com a criação, fotografia, captação de som e toda a parte técnica como também na construção da narrativa, afirma o diretor Eryc Rocha.
“Em nenhum momento a gente começou com o modelo pronto, o modelo narrativo pronto, ou com o filme preparado, mas descobrimos o filme nesse fluxo de energia, de vitalidade, de beleza, de potência, de tragédia também, nas conversas com o David, e todos os relatos”.
Relatos como o da artista e escritora yanomami, Ehuana Yaira, que durante a pré-estreia ecoou uma mensagem potente vinda das mulheres de sua etnia.
“Nós mulheres que temos os filhos nascidos no chão da floresta, quando os garimpeiros se aproximam da nossa terra, de nós mulheres, eles estupram nossas filhas, eles destroem a floresta e aliciam nossos filhos. Por isso, nós mães yanomami ficamos muito preocupadas.”
Para Kopenawa, essa união só será possível quando os napëpë deixarem de ser uma ameaça aos Yanomami, à floresta e ao planeta e respeitarem toda a sabedoria ancestral e relação entre indígenas e planeta.
“O meu lugar é a terra aqui onde a gente constrói a casa, na nossa raiz permanente. Branco não, ele fica quatro, cinco anos e depois vai para outro lugar. Nós cuidamos de onde nós nascemos. Vocês entendem isso?”, reforça.
Mostra
A pré-estreia do documentário A Queda do Céu abriu oficialmente a 10ª Mostra de Cinema da Amazônia, que ocorre até o dia 21 de novembro com a exibição de vários títulos nacionais, debates e painéis com o tema central da urgência climática.
Com entrada gratuita, os filmes da mostra são exibidos no Instituto de Ciências da Arte da Universidade Federal do Pará, no Museu da Imagem e do Som do Pará, no Cine Líbero Luxardo e no Cine Sesc Ver o Peso.
Segundo o produtor cultural e idealizador da mostra, Eduardo Souza, a iniciativa faz parte de um projeto cultural muito maior que existe há 20 anos e já circulou em 26 cidades brasileiras, além de outros países como França, Alemanha, Portugal e Guiana Francesa
“É uma mostra que já exibiu mais de 400 filmes, já atingiu mais de 50 mil pessoas e está bem consolidada, mas que foi mudando ao longo dos anos e ganhando um caráter mais educativo, social e inclusivo saindo das salas de cinema, para dentro das comunidades, escolas e territórios indígenas”.
Entre os convidados estão nomes como o da ativista Txai Suruí e Neidinha Suruí, da mãe de santo Mametu Nangetu, do cineasta Takumã Kuikuro e da pajé Zeneida Lima.
De acordo com Souza, a ideia é conduzir a mostra cada vez mais para um viés social de formação de público a partir de jovens e crianças.
“É trazer uma percepção sobre o cinema muito além do entretenimento, como uma arma política, um instrumento de transformação e dentro da COP30 está sendo perfeito”, conclui.