A CURA DA MIOPIA

“Ande mais rápido para não ficar de fora do ensaio”, eu dizia para mim mesmo enquanto seguia para a igreja numa quarta de noite. O sol tinha acabado de se pôr, então rajadas vivas de laranja salteavam o céu quase escuro formando uma bela cena para os que enfrentavam o trânsito da beira-rio. Eu, de passagem, visava tão somente o objetivo: chegar a tempo para o ensaio.

De onde estava já tinha vista para a igreja – ao menos já deveria conseguir ver – mas as dificuldades de um míope sem seus óculos são grandes demais para uma distância tão pequena. Assim, todo esforço de enxergar não produzia nada além de uma vista embaçada e uma careta da qual alguém se ofenderia se reparasse bem. Foi quase natural sobrevir a preocupação em ler as partituras do culto sem meus óculos, mas tão logo foi embora, afinal, ver de perto é fácil, difícil é ver o longe. Essa conclusão ecoou em mim tal como um estalo dentro de uma caverna, e ali, na pressa da rotina, o Senhor começou a tratar o meu coração.

Assim como os carros apressadamente enfrentavam o trânsito no horário de pico, nós vivemos intensamente a nossa rotina protocolar. Romantizamos e nos orgulhamos ao dizer as pessoas que estamos vivendo “na correria” e, para cumpri-la, nos valemos de todas as facilidades que o mundo moderno pode oferecer: a internet mais rápida, que nos proporciona os acessos mais rápidos aos serviços mais rápidos, que por sua vez, fazem a entrega mais rápida. Nesse ciclo de imediatismos nos condicionamos com a praticidade – que sejamos sinceros, é muito boa, mas nem sempre conveniente.

Paralelo à nossa correria rotineira repousa a mais solene verdade: “mas estreita é a porta e apertado é o caminho que leva à vida, e são poucos os que a encontram” (Mt 7:14). A conjunção adversativa que inicia o versículo é o ponto de intersecção em que o nosso imediatismo colide com a essência do verdadeiro evangelho. Para quem tanto tem pressa, caminhos estreitos não são uma opção, preferidas são as vias largas e expressas, com mais de duas faixas, de preferência. Mas o que isso demonstra? Que com todo esse mal costume, nossos olhos visarão cada vez menos as coisas ao longe; será cada vez mais difícil focar nas coisas eternas do céu.

Como bom míope que sou, tratei de prestar diligente atenção nas aulas de física – sobretudo na matéria de ótica com o Professor Eduardo – e aprendi que parte das dificuldades de se enxergar repousa no ajuste do foco. Com o tempo reparei que o ajuste de foco é moldado conforme o maior tempo de fixação sobre uma determinada distância, ou seja, na miopia: quanto mais se vê coisas de perto, mais ajustado se torna o foco, porém, ao visar maior distância, o foco se perde e a vista se embaça.

São muitas as coisas imediatas que nos são oferecidas de modo a naturalmente prender nossa atenção e, no mundo espiritual, a coisa não é lá muito diferente. Somos cercados de tentações a todo instante, as quais são banhadas de promessas de grandes recompensas num fácil acesso, quase como um serviço de fast food a nosso dispor. O problema é que essas recompensas são sintéticas e, por isso, no fim das contas nos fazem mais mal do que bem e viciada se torna a nossa perspectiva acerca do que deve ou não ser buscado.

Não bastassem as tentações, ainda operam em nós as preocupações com os assuntos deste mundo. Olhar demais para as nossas circunstâncias e dificuldades faz com que os obstáculos pareçam bem maiores do que realmente são; a pessoa fica cega e “não vê que o gigante é bem menor que a mão de Deus”. As preocupações e ansiedades sufocam a Palavra de Deus e a torna infrutífera em nossos corações (Mc 4:18 e 19) e, cada vez mais, o Reino se torna turvo aos nossos olhos. É dessa forma que o número de ocorrência de casos de miopia dos olhos da fé aumenta na nossa sociedade.

Deus, o nosso Pai, sabe bem das nossas deficiências em ver o longe e como os nossos olhos facilmente se deslumbram com as coisas de perto. Por isso, nos convida a caminhar não pela nossa visão corrompida, mas pela fé, e fé em Jesus Cristo. Eis então a cura para a miopia: olhar para Jesus. Quem o vê, vê ao Pai (Jo 14:9), é dizer que através de Cristo – e somente Cristo – podemos focar nas coisas eternas e assim termos a longanimidade e perseverança que se requerem para trilhar o caminho que conduz à vida. Como os óculos nos servem para os olhos da carne, Cristo se oferece para os nossos olhos da fé como sendo o corretor da nossa perspectiva distorcida.

O que aprendi naqueles passos largos do fim de tarde foi que o alvo a ser perseguido não deve ser chegar a tempo para o ensaio, mas sempre Cristo. Não é como um óculos que se pode esquecer em casa, mas é o salvador que prometeu estar conosco todos os dias, até o fim dos tempos (Mt 28:20). Manter nossos olhos alinhados nesse alvo faz com que as ansiedades da vida corrida, a força do vento e o ímpeto dos mares passem desapercebidos, nos dando a viva convicção de que, se for preciso, poderemos até andar por sobre as águas.

– Henrique Filho

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