Ambientalistas e cientistas criticaram a licença do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) que autoriza a Petrobras a perfurar poços para pesquisa exploratória no bloco FZA-M-59, na bacia sedimentar da Foz do Amazonas, que faz parte da área do litoral brasileiro conhecida como Margem Equatorial.
Organizações da sociedade civil e movimentos sociais afirmam que irão à Justiça para denunciar ilegalidades e falhas técnicas do processo de licenciamento, e buscar a anulação da licença. O grupo alerta para prejuízos à 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), que vai ser realizada no próximo mês em Belém. A Amazônia é tida como uma zona prioritária para exclusão dos combustíveis fósseis, por sua importância para o clima e para a biodiversidade do planeta.
“Por um lado, o governo brasileiro atua contra a humanidade, ao estimular mais expansão fóssil, contrariando à ciência e apostando em mais aquecimento global. Por outro, atrapalha a própria COP30, cuja entrega mais importante precisa ser a implementação da determinação de eliminar gradualmente os combustíveis fósseis. Lula acaba de enterrar sua pretensão de ser líder climático no fundo do oceano na Foz do Amazonas. O governo será devidamente processado por isso nos próximos dias”, disse Suely Araújo, coordenadora de Políticas Públicas do Observatório do Clima.
Em nota oficial, o Ibama disse que a decisão ocorreu depois de “rigoroso processo de licenciamento ambiental, que contou com elaboração de Estudo de Impacto Ambiental (EIA/RIMA), realização de três audiências públicas, 65 reuniões técnicas setoriais em mais de 20 municípios dos estados do Pará e do Amapá, vistorias em todas as estruturas de resposta à emergência e unidade marítima de perfuração, além da realização de uma Avaliação Pré-Operacional, que envolveu mais de 400 pessoas”. Sobre a estrutura de resposta à emergência, o órgão destacou a construção e operacionalização de Centro de Reabilitação e Despetrolização (CRD) no município de Oiapoque (AP), que se soma ao outro já existente em Belém (PA).
A autorização foi celebrada pela Petrobras como uma “uma conquista da sociedade brasileira” e também foi comemorada pelo Instituto Brasileiro do Petróleo, que reúne empresas do setor e prevê ganhos econômicos para o país.
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Crise climática
Os cientistas Carlos Nobre e Paulo Artaxo explicaram que a exploração de petróleo na Amazônia vai agravar a crise climática no planeta.
“A Amazônia está muito próxima do ponto de não retorno, que será irreversivelmente atingido se o aquecimento global atingir 2 graus Celsius (°C) e o desmatamento ultrapassar 20%. Além de zerar todo desmatamento, degradação e fogo na Amazônia, torna-se urgente reduzir todas as emissões de combustíveis fósseis. Não há nenhuma justificativa para qualquer nova exploração de petróleo”, disse Carlos Nobre, copresidente do Painel Científico para a Amazônia.
“O Brasil tem a oportunidade de explorar seu enorme potencial de geração energética solar e eólica e se tornar uma potência mundial em energias sustentáveis. Não devemos desperdiçar esta oportunidade. Abrir novas áreas de produção de petróleo vai auxiliar a agravar ainda mais as mudanças climáticas e, certamente, isso vai contra o interesse do povo brasileiro”, disse Paulo Artaxo, integrante do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) e especializado em crise climática e Amazônia.
Outras lideranças de movimentos em defesa do meio ambiente também criticaram a decisão do Ibama. A coordenadora de campanha no Brasil da Iniciativa do Tratado de Não Proliferação de Combustíveis Fósseis, Clara Junger, classificou como inaceitável que o governo continue promovendo a exploração de petróleo e gás na bacia Amazônica, área considerada vital para a proteção do clima e da biodiversidade.
“Essa decisão contraria os compromissos com a transição energética e coloca em risco as comunidades, os ecossistemas e o planeta. Ao contrário do que alegam, os recursos do petróleo pouco investem na transição, sendo apenas 0,06%. Precisamos de um acordo global para eliminar a extração de petróleo de forma justa, equitativa e sustentável. Até lá, o mínimo que temos que fazer é impedir sua ampliação”, disse.
A coordenadora da frente de Oceanos do Greenpeace Brasil, Mariana Andrade, critica que a decisão de abrir uma nova fronteira exploratória na Foz do Amazonas “revela uma lógica de lucro que perpetua desigualdades”. A Petrobras tem condições de direcionar seus esforços para uma estratégia verdadeiramente voltada à descarbonização e de contribuir de forma coerente com compromissos climáticos assumidos pelo Brasil”, disse “Não há transição energética possível quando o alicerce é destruição”.
Para a diretora executiva do Instituto Arayara, Nicole Oliveira, “a decisão de licenciar é claramente política, e não técnica”.
“O valor de uma sonda jamais pode se sobrepor ao valor da vida das comunidades amazônicas, à biodiversidade ou ao equilíbrio climático do planeta. A Petrobras, responsável por 29% de todos os novos projetos fósseis da América Latina, é a principal protagonista da expansão fóssil no continente. Ao insistir na perfuração do bloco 59, ela se consagra como a Líder Continental da Não Transição Energética”, criticou.
O Instituto Talanoa, em nota, avalia que insistir na abertura de uma nova fronteira petrolífera na Margem Equatorial afasta o Brasil das recomendações técnicas para uma transição energética que cumpra o Acordo de Paris e compromete a coerência entre o discurso climático internacional do país e suas decisões domésticas.
“A aposta em expandir a exploração fóssil, sobretudo em uma região amazônica sensível e ainda pouco conhecida do ponto de vista científico, enfraquece a legitimidade da diplomacia brasileira e projeta o país na contramão dos compromissos assumidos no Acordo de Paris e das expectativas globais de superação da dependência do petróleo”, diz nota d.
Petrobras
A Petrobras informou que a perfuração está prevista para começar “imediatamente”, em um poço que fica em águas profundas do Amapá, a 175 quilômetros da costa e a 500 quilômetros da foz do rio Amazonas.
A perfuração dessa fase inicial tem duração estimada em cinco meses, segundo a companhia. Nesse período, a empresa busca obter mais informações geológicas e avaliar se há petróleo e gás na área em escala econômica. “Não há produção de petróleo nessa fase”, frisou a Petrobras no comunicado.
A empresa afirma que atendeu a todos os requisitos estabelecidos pelo Ibama – órgão ligado ao Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima – cumprindo integralmente o processo de licenciamento ambiental.
A presidente da companhia, Magda Chambriard, classificou a obtenção da licença como “uma conquista da sociedade brasileira”.
“Revela o compromisso das instituições nacionais com o diálogo e com a viabilização de projetos que possam representar o desenvolvimento do país”, afirmou Chambriard no comunicado.
O Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP), entidade de representação do setor de óleo, gás e biocombustíveis, disse que a concessão de licença para a Petrobras trará ganhos econômicos para o Brasil.
“Esta é uma decisão importante que permitirá ao país conhecer melhor o potencial de suas reservas, apoiando a segurança energética e o desenvolvimento socioeconômico da Região Norte”, diz o presidente do IBP, Roberto Ardenghy.
Posição do governo
Em diferentes oportunidades, como na entrevista que deu a um podcast em junho deste ano, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva argumentou que a iniciativa pode trazer recursos financeiros e energéticos para o desenvolvimento do Brasil, e que o mundo ainda não está preparado para abrir mão das fontes de energia fóssil não-renováveis.
“Sou favorável a que a gente vá trabalhando a ideia de, um dia, não ter combustível fóssil, mas sou muito realista: o mundo não está preparado para viver sem o petróleo”, declarou o presidente, assegurando que, se bem empregado, o petróleo pode “deixar de ser um combustível tão diabólico”.
“A gente não pode abdicar dessa riqueza. O que podemos é assumir um compromisso de que nada será feito para causar qualquer dano ao meio ambiente”, complementou.
Em entrevista coletiva em julho deste ano, na Cúpula dos Brics, a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, disse que contradições sobre a exploração de petróleo e a transição para energias limpas existem no mundo inteiro, e não só no Brasil. “Vivemos um momento de muitas contradições, e o importante é que estamos dispostos a superar essas contradições”