Há quase seis meses, a ativista climática e comunicadora Marcele Oliveira, de 26 anos, é a Campeã de Juventude da COP30, a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas. Ao longo desse período, ela atua como embaixadora nas discussões e decisões globais sobre o clima, fazendo a conexão entre as vozes da juventude e os ambientes de decisão.
Marcele participou de um processo seletivo para a escolha do Jovem Campeão Climático e foi selecionada entre 154 inscritos, a partir de critérios rigorosos que levaram em consideração a experiência no ativismo climático e a capacidade de articulação com jovens nos territórios.
Consciente da responsabilidade, ela seu uniu aos outros concorrentes do processo seletivo e formou um verdadeiro mutirão para seguir nesta jornada até o fim da presidência brasileira na COP30, em 2026.
Em entrevista exclusiva à Agência Brasil, Marcele Oliveira conta sobre como é ser a Campeã de Juventude da COP30, e quais são suas expectativas e desafios para a conferência, que começa em Belém (PA), no próximo dia 10 de novembro.
Agência Brasil: Como que você chegou ao ativismo climático e como foi a sua trajetória até essa escolha de lutar por causas socioambientais?
Marcele Oliveira: Eu me chamo Marcele Maria de Oliveira, sou filha e neta de mulheres que se chamam Maria. Eu sou de Realengo, na zona oeste do Rio de Janeiro, e uma coisa que sempre chamou a minha atenção foi sobre como nas zonas mais ricas da cidade, que não eram periféricas, tinham muitas árvores e áreas de lazer, e, em Realengo, as praças eram muito abandonadas e, nas ruas, tinham poucas árvores. Só que eu não sabia que isso tinha nome, eu achava que era só a forma como a cidade era construída por acaso.
Daí, eu fui pesquisar e, ao me aproximar das histórias de Realengo, eu reconheci uma luta que eu sabia que existia, mas que não tinha chamado a minha atenção até então, que era a luta pelo Parque de Realengo Verde. Nessa luta, eu aprendi sobre o racismo ambiental, que, na verdade, existe uma escolha que é política, que é social, de lugares que vão ser mais arborizados e, por isso, vão ser, inclusive, mais frescos e com um convívio social de lazer gratuito super possível, e outros lugares que vão ser banhados de concreto, e em que o convívio social vai se dar em shoppings, vai se dar em espaços fechados. E a ideia de desenvolvimento vai ser querer construir o que? Mais prédios.
Agência Brasil: É no movimento do Parque de Realengo Verde que tudo começa?
Marcele Oliveira: Certo. No movimento, a gente constrói a Agenda Realengo 2030, que desenvolve a relação da luta territorial, a partir dos objetivos do Desenvolvimento Sustentável da ONU, a gente faz a ocupação Parquinho Verde e começa a denunciar a não implementação do Parque Realengo Verde, como um caso de racismo ambiental, e a gente consegue costurar isso num sentido de qualidade de vida, de combate ao calor extremo, de combate às enchentes. Isso resultou em uma política pública de parques urbanos em várias periferias do Rio de Janeiro, e hoje já são quase oito parques.
Foi por isso que eu comecei a acompanhar essa pauta ambiental e climática, comecei a acompanhar as conferências globais por conta da participação das juventudes periféricas nesse debate.
Muitas dessas juventudes são desconectadas, como eu também era, do próprio bioma, do próprio território e muito sobrecarregadas, porque estuda, trabalha e não está olhando ao redor.
Nas conferências globais, onde se decidem esses acordos internacionais, a gente tem muita dificuldade de trazer isso para o território. Só que a resposta do território já existe. Ela é esse pedido por parques verdes, por hortos comunitários, por cozinhas solidárias, por tetos verdes, por pintar paredes de branco, por reflorestamento. Então, a gente não está, na verdade, criando nada. A gente está só pedindo que a adaptação climática aconteça para as periferias.
Agência Brasil: Como você ficou sabendo do processo seletivo? E quando se inscreveu já esperava ser escolhida?
Marcele Oliveira: Eu sou a segunda pessoa no mundo a ocupar esse papel. Então, eu conheci esse cargo na COP20, no Azerbaijão, quando ele estava sendo ocupado pela Leyla Hasanova, que foi a primeira pessoa no mundo a ocupar essa posição. Eu achei muito interessante essa responsabilidade de organizar a juventude, mas a gente não sabia como esse processo seria no Brasil.
E, quando o Brasil anuncia um processo seletivo, na verdade, em vez de nos inscrevermos individualmente, a gente se organiza enquanto movimento de juventude. A gente conseguiu se organizar e entender que era importante que fosse uma pessoa de periferia, que fosse uma pessoa negra ou indígena, e, a partir desse contexto, a gente foi também construindo a ideia de que, independentemente de quem fosse, seria importante que houvesse um time de pessoas jovens com essa pessoa.
Na verdade, eu fui a pessoa que foi nomeada, mas muitas das pessoas que participaram dessa seleção trabalham no nosso mandato ou estão na nossa rede de mandato. Então, a ONU estabeleceu de uma forma, e a gente já fez de outra, porque a gente está no Brasil, a gente acredita em participação social.
Para mim, é uma honra, uma responsabilidade, mas também é muita felicidade poder ter essa nomeação e ter um mandato com outras pessoas jovens ativistas do Brasil, de todos os biomas, para poder fazer esse mandato ser mais representativo.
Agência Brasil: Como está sendo essa experiência em quase seis meses ocupando essa atividade de embaixadora da juventude nesses ambientes de negociação? É muito desafiador posicionar as perspectivas dos jovens nesses debates?
Marcele Oliveira: Eu acho que uma coisa que a gente aprendeu nesses seis meses é que a forma como a juventude, ao redor do mundo, se organiza para incidir na negociação climática, muitas das vezes, não está dentro de um padrão de negociação sem a ação local.
E a gente chama de mutirão o reconhecimento dos tantos projetos das juventudes que existem e que protegem a natureza, o meio ambiente, os ecossistemas; mas que não têm credencial de levar ao [debate] internacional aquilo que é feito no território. Porém, o que é feito no território é o que de fato garante a adaptação climática que tanto se fala no internacional.
Agência Brasil: É a ideia do mutirão, trazida pela presidência da COP30?
Marcele Oliveira: Sim, a gente chama de mutirão essa coisa do fazer todo mundo junto e a importância do fazer agora, do implementar agora. Mas o mutirão é também o reconhecimento de que o fazer não tem só um jeito certo e não está só alocado dentro da negociação, dentro da Conferência do Clima.
Todo mundo precisa ser ativista climático, ativista ambiental, independentemente de onde mora, da classe social que ocupa, da cor que tem, porque a gente mora no mesmo planeta. Então, precisa de todo mundo.
Só que têm pessoas que estão mais vulneráveis às consequências dessa mudança do clima, como quem mora em lugares que vão encher, enquanto outras pessoas vão dormir com o barulho da chuva. Por isso, a luta é por justiça ambiental e climática.
Agência Brasil: Como você, pessoalmente, se sente nessa posição de conectar o território jovem com esse modelo global das COPs?
Marcele Oliveira: Eu me sinto nesse lugar de responsabilidade. Acho que eu recebi um caderno em branco, com algumas linhas, e eu gostaria de entregar um caderno bem preenchido, desenhado, colado e colorido, porque a gente não está falando só sobre a COP30 no Brasil, a gente está falando sobre uma posição de juventude num cargo importante, dentro de uma conferência que pode ser uma das conferências mais importantes da nossa geração. A gente quer que esse cargo seja sempre fortalecido não só nesse, como em outros espaços de incidência de juventude na institucionalidade.
Agência Brasil: Qual é a sua expectativa para a COP30 em Belém?
A minha expectativa para a COP30 é que o nosso time de diplomatas do Itamaraty, que são reconhecidos como bons negociadores, consiga puxar essa conferência para esse olhar de implementação, porque a gente já está há muito tempo negociando os acordos e os processos. Já deu tempo de todo mundo entender qual é a sua responsabilidade e a desproporcionalidade do impacto. Enquanto têm lugares que já estão se reconstruindo pela segunda, pela terceira vez, têm lugares que conseguiram se adaptar maravilhosamente bem, porque, historicamente, roubaram de outros lugares essa capacidade. Falar de justiça ambiental, justiça racial, falar da importância de olhar para a questão do colonialismo, escravidão, passa pela nossa história enquanto humanidade.
Então, uma COP de sucesso para a gente é uma COP que faz seus importantes anúncios, que vai colocar dinheiro para o reflorestamento lá no Fundo de Florestas Tropicais para Sempre [TFFF na sigla em inglês], que vai triplicar o pedido do financiamento para adaptação, que vai chegar no US$1,3 trilhão para poder fazer a adaptação climática dos territórios, mas que também que leve em consideração que a adaptação se faz a partir da tecnologia que é ancestral que é dos territórios, que é onde a gente consegue ver as juventudes as mulheres, as crianças participando.
A juventude ocupa um papel importante, por serem os próximos líderes que vão ter essa mudança de pensamento para implementar esse mutirão e proteger os ecossistemas.
Agência Brasil: O que a juventude espera para um futuro de longo prazo?
Marcele Oliveira: A gente realmente conversa muito sobre isso, sobre o que a gente gostaria que acontecesse no Brasil depois que a COP30 passar. Eu tenho lembrado que a gente viu o país sair do mapa da fome duas vezes e isso, há 50 anos, era uma coisa inimaginada, então, por que a gente não pode tirar o nosso país do mapa do risco climático? A questão é que o mapa do risco climático também é uma consequência da atuação de todos os países, ou seja, não dá para sair sozinho. Então, se o Brasil sair, ele precisa também levar a América Latina e o Sul Global junto. E isso só é possível também dialogando com o Norte Global, dialogando sobre essas Contribuições Nacionalmente Determinadas [NDCs], sobre as responsabilidades que são parecidas, mas que são diferentes.
Então, acho que quanto mais pessoas entendem isso, mais a gente também ganha força no que a gente está cobrando do nosso vereador, do nosso prefeito, do nosso secretário, do nosso governador, do nosso presidente, da gente mesmo e dos lugares onde a gente está. Nas nossas escolas, universidades, igrejas. A chamada global do mutirão é sobre como que a gente pode fazer a passagem da COP30 pelo Brasil ser também a maior movimentação por justiça climática da nossa geração? E que isso crie um impacto desde as eleições de 2026, aqui no Brasil, até a permanência de uma referenciação sobre justiça climática na história.