Em encontros simultâneos à 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), os povos de terreiros e quilombolas se reúnem no dia 15, em Salvador e no Rio de Janeiro, para levar ao debate, além da questão climática, a luta contra o racismo ambiental e os direitos dos territórios. 
A Cúpula dos Povos de Terreiro acontecerá no Parque da Pedra de Xangô, em Salvador, de 9h às 13h. No Rio de Janeiro, o encontro será na I Cúpula das Vozes Quilombolas pelo Clima, na Fundição Progresso, das 9h às 17h. O evento no Rio de Janeiro ocorre em parceria com a Associação Estadual das Comunidades Quilombolas do Rio de Janeiro (AcquilerjJ). A iniciativa das cúpulas é da KOINONIA Presença Ecumênica e Serviço.
Em entrevista à Agência Brasil, a diretora executiva da KOINONIA, Ana Gualberto, defende que a COP30 deveria ter uma agenda de vida e de importância das comunidades negras tradicionais.
“O que tem acontecido no Brasil e no mundo é que as comunidades negras tradicionais, tanto os quilombos como os terreiros, não têm sido ouvidos como atores e atrizes importantes para a preservação ambiental, para a manutenção de áreas e para apresentar propostas de solução para adiar o fim do mundo que está acontecendo cotidianamente”, ressaltou Ana.
A realização da Cúpula dos Povos de Terreiro, no Parque da Pedra de Xangô, é muito simbólica por se tratar do primeiro parque feito pela Prefeitura de Salvador para o povo de matriz africana.
“É muito simbólico a gente fazer ali [o encontro], onde tem um espaço de resistência muito forte e ser o marco de uma conquista do povo de santo”, disse Ana.
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Objetivos
As duas agendas objetivam, segundo Ana Gualberto, deixar claro que “essas populações têm o que dizer, mostrar que isso perpassa a vida delas, e a gente está agindo, vocês sabendo ou não. Mas é importante que a sociedade saiba disso. As comunidades estão preservando [o meio ambiente]”.
Em Belém, outros grupos vinculados à Coordenação Nacional de Articulação das Populações Quilombolas (Conac) vão realizar atividades, embora não se possa reunir na capital paraense todos os grupos do país. Por isso, a diretora executiva do KOINONIA disse ser importante que esse debate esteja vivo em cada território, cobrando do Estado brasileiro, das unidades federativas e dos municípios, suas responsabilidades e competências com relação aos povos dos terreiros e dos quilombolas.
Ana Gualberto disse que a questão da regulamentação territorial dos terreiros é muito diferente dos quilombos. Segundo ela, não há uma legislação nacional que regule o processo de titulação ou de reconhecimento como posse dos territórios. “A política nacional de povos e comunidades tradicionais reconhece tanto terreiros como quilombos como comunidades negras tradicionais do Brasil”, disse.
“Portanto, o Estado brasileiro tem obrigação de cuidar desses povos porque contribuem para a manutenção da diversidade da nossa sociedade”, defende.
Dos mais de 5 mil terreiros existentes em Salvador, identificados pela prefeitura local, não chega a 20% o número dos que têm seu território garantido. Ana considera que a questão é muito complexa, uma vez que com a especulação imobiliária, essas comunidades estão sendo empurradas para outros lugares, além da violência urbana.
Mapear a quantidade de terreiros na Bahia poderá facilitar a implementação de políticas públicas para esses povos, apontou Ana Gualberto. “É preciso quantificar, identificar, para que a gente possa construir políticas públicas efetivas para essa população”.
Quilombolas
A I Cúpula das Vozes Quilombolas pelo Clima visa chamar a atenção e cobrar do Estado sua ação em prol dos povos quilombos. Para a presidente da Associação Estadual das Comunidades Quilombolas do Estado do Rio de Janeiro (Acquilerj), Bia Nunes, é necessária uma estratégia para que a sociedade fluminense e brasileira entenda a importância, entre os povos originários, do povo quilombola na preservação do meio ambiente.
“Nós estamos falando da primeira organização social brasileira. Tínhamos ali os povos que precisavam sair fugidos, cativos, e precisavam criar os quilombos que eram o retorno para suas casas. E quando eles criavam esses quilombos, mantinham e preservavam aqueles lugares, como fazem até os dias de hoje”, disse à Agência Brasil.
Na avaliação de Bia Nunes, quando se fala de justiça climática na COP30, “não se pode, de maneira nenhuma, esquecer de quem vem, durante todos esses anos, mantendo o espaço na preservação, da forma como a população quilombola faz”.
Por isso, segundo Bia Nunes, as ações desenvolvidas pela Acquilerj são voltadas para dar visibilidade às comunidades quilombolas, o que plantam, o que colhem, como preservam as matas e a Mata Atlântica, no estado do Rio de Janeiro.
A ação da Acquilerj objetiva ainda a regularização dos territórios. Do total de 54 comunidades quilombolas existentes no território fluminense, somente três têm título de posse.
“E mesmo assim, dois deveriam ser revistos, porque a gente tem aí uma imensidão de equívocos na hora da organização desses textos dos títulos, tanto do Quilombo de Marambaia, em Mangaratiba, como de Preto Forro, em Cabo Frio”, destacou Bia.
O terceiro quilombo fluminense com título de posse é o de Campinho, em Paraty.
A presidente da Acquilerj denunciou que para que a titulação saia mais rápido, eles devem abrir mão de “uma imensidão” de alqueires de terra. “É uma chantagem emocional e psicológica que acontece na maioria dos territórios”.
Fortalecimento
A cúpula do Rio de Janeiro visa o fortalecimento do território quilombola e da agenda ambiental que já vêm sendo praticada há séculos pelos povos remanescentes dos quilombos. Bia Nunes lamenta o reduzido número de organizações quilombolas que participarão da COP30, por falta de convite oficial. Daí o número reduzido de participantes, em Belém, ressalta.
Diante dessa restrição, Bia Nunes salienta a importância da I Cúpula das Vozes Quilombolas pelo Clima no Rio de Janeiro. “A Cúpula do Rio vai ter esse diferencial, porque somos nós discutindo e falando de nós. A primeira mesa será Vozes Quilombolas, porque nós teremos ali 16 territórios dando a pauta e o protagonismo desse assunto”.
Participarão também organizações da sociedade civil e representantes do poder público, para discutir os impactos da crise climática nos territórios quilombolas, o direito à terra e a preservação das florestas e das águas.
Durante o evento, será lançado o Fórum Itinerante Cuidar da Terra é Cuidar da Gente: A Luta Quilombola pela Mata Atlântica, uma iniciativa da Acquilerj destinada a fortalecer o debate climático e os direitos das comunidades em diferentes regiões do estado.
As inscrições para participar da cúpula no Rio de Janeiro podem ser feitas no endereço